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O FAUSTO NEGRO (PRÓLOGO NO INFERNO)


ACTO V


O FAUSTO NEGRO


(Prólogo no Inferno)


Tecedeiras a tecer:

Teçamos, teçamos

O pano da vida.

Teçamos, teçamos

Com louca lida.


De negro, de negro

Com pontos dourados,

De negro, de negro

Com breves bordados.


Teçamos a rede

Da vida em tear

Que a morte tem sede

Da rede rasgar.

Teçamos, teçamos

Pra cedo acabar.


Uma voz


Eu sou o Spírito de Alegria,

Minha mortalha minha mão fia,

Fia-a contente de ter que fiar.

Por isso a fia sem a acabar,

Fia de noite, fia de dia,

Fia, fia, fia, fia,

Fia de noite e de dia fia.


Bem sei que a obra é para tristeza,

Mas há o fazê-la que a faz beleza,

Bem sei que a morte é seu fio e a dor

Constante no fiar. Mas fia com amor.

E por isso cumpre-me a minha alegria

Minha mão (...) que fia e fia,

Fia de noite fia de dia,

Fia, fia, fia, fia

Fia de dia e de noite fia.


É o maior horror da alma

Ver claro em pensamento que é profundo

Ver o Terror Supremo! a ambição

De morrer pra não pensar, já não

Por duvidar – mas – oh, maior horror!

Por ver, por ver, por ver!


O animal teme a morte porque vive,

O homem também, e porque a desconhece.

Só a mim me é dado com horror

Temê-la por lhe conhecer a inteira

Extensão e mistério, por medir

O infinito seu de escuridão.

Não que a conheça, não, nem compreenda

Mas que como ninguém meço e compreendo

Toda a extensão do seu mistério negro.

Para esta minha dor não foram feitas

Palavras que expressem e nem mesmo

Sentimento que a sinta como tal.

Dor que transcende o verbo e o sentimento

Criando um sentimento para si

Do qual o Horror é apenas a aparência

Pensável e sensível do exterior.

Indefinível sentimento fundo

Que me foge quando eu a analisá-lo

Me preparo e só deixa como um rasto

Da fantásmica luz de escuridão

À qual cerrar os olhos d'alma tenho.

O horror cabe bem n'alma, mas aqui

Não me cabe uma alma neste horror. Além

Do vulgar medo à extinção suprema

Há a épica aceitação da morte

E além d'ambas este perder d'alma

Num escurecido e lúcido terror.


Já ouço o impetuoso

Circular ruído de arrastadas folhas,

E num vago abrir d'olhos na luz sinto

As amarelidões e palidezes

Onde o outono sopra nuamente.

Deixá-lo que assim seja – que me importa?

Como um fresco lençol eu quereria

Puxar sombra e silêncio sobre mim

E dormir – ah, dormir! – num deslizar

Suave e brando para a inconsciência

Num apagar sentido docemente.


Do eterno erro na eterna viagem,

O mais que saibas na alma que ousa,

É sempre nome, sempre linguagem

O véu e a capa de uma outra coisa.


Nem que conheças de frente o Deus,

Nem que o eterno te dê a mão,

Vês a verdade, rompes os véus,

Tens mais caminho que a solidão.


Todos os astros, inda os que brilham

No céu sem fundo do mundo interno,

São só caminhos que falsos trilham

Eternos passos do erro eterno.


Volta a meu seio, que não conhece

Enigma ou deuses porque os não vê,

Volta a meus braços, neles esquece

Isso que tudo só finge que é.


Meus ramos tecem dosséis de sono,

Meus frutos ornam o arvoredo;

Vem a meus braços em abandono

Todos os Deuses fazem só medo.


Não há verdade que consigamos,

Ao Deus dos deuses nunca hás-de ver...

Dosséis de sono tecem meus ramos.

Dorme sob eles como qualquer.





Monólogo à Noite


Tenha eu a dimensão e a forma informe

Da sombra e no meu próprio ser sem forma

Eu me disperse e suma!

Toma-me, ó noite enorme, e faz-me parte

Do teu frio e da tua solidão,

Consubstancia-me com os teus gestos

Parados, de silêncio e de incerteza,

Casa-me no teu sentido (...)

E anuladamente... Que eu me torne parte

Das raízes nocturnas e dos ramos

Que se agitam ao luar... Seja eu pra sempre

Uma paisagem numa encosta em ti...

Numa absoluta (...) inconsciência

Eu seja o gesto irreal do teu beijo

E a cor do teu luar nos altos montes

Ou, negrume absoluto teu, que eu seja

Apenas quem tu és e nada mais...

Suspende-me no teu aéreo modo,

Comigo envolve as estrelas e espaço!

E que o meu vasto orgulho se contente

De teu ser infinito, e a vida tenha

Piedade por mim próprio no consolo

Da tua calma inúmera e macia...


Vejo que delirei.


Nem delirando fui feliz; mas fui-o

Apenas para obter esse cansaço

Que não obtive outrora: desejar

A morte enfim. Eis a felicidade

Suprema: recear nem duvidar,

Mas estar de prazer e dor tão lasso

A nada já sentir, longe de mim

Como era antigamente: e também longe

Dos homens do (...) natural

Estranho! com saudade só me lembro

Do meu grão tempo de infelicidade,

Saudade não, e um orgulho (que é só

O que dela me resta hoje) e não quero

Àquele tempo regressar. Já nada quero!

Caí e a queda assim me transformou!

Saudosamente ainda me lembra

D'ultra acordado estar, mas a queda

Tirou já o desejo de voltar

(Se pudesse). Deixou só um sentimento

De desejar eterna quietação

Ânsia cansada de não mais viver;

Ambição vaga de fechar os olhos

E vaga esp'rança de não mais abri-los.

Meu cérebro esvaído não lamenta

Nem sabe lamentar. Tumultuárias

Ideias mistas do meu ser antigo

E deste, surgem e desaparecem

Sem deixar rastos à compreensão.

E ainda com elas, sonhos que parecem

Memórias dessa infância, dessas vozes

Já deslembradas, vãs, incoerentes,

Amargas, vãs desorganizações

Que nem deixam sofrer. Vem pois, oh, Morte!

Sinto-te os passos! Grito-te! O teu seio

Deve ser, suave e escutar o teu coração

Como ouvir melodia estranha e vaga

Que enleva até ao sono, e passa o sono.

Nada, já nada posso, nada, nada...

Vais-te, Vida. Sombras descem. Cego. Oh, Fausto!


Fernando Pessoa


Nasceu a 13 Junho 1888 (Lisboa, Portugal)

Morreu em 30 Novembro 1935 (Lisboa)

Fernando António Nogueira Pessoa, mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta, filósofo e escritor português. Fernando Pessoa é o mais universal poeta português.






 
 
 

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